Ao
mesmo tempo em que provoca os Estados Unidos, líder norte-coreano acena para o
vizinho do sul. Decisão parece surpreendente, mas pode ter sido planejada há
muito tempo.
O
telefone está tocando de novo. E essa é uma grande notícia. Tão
significativa que há relatos em toda a imprensa internacional, muito além
das fronteiras coreanas. Porque esse telefone não é qualquer um, ele é a
linha direta entre Pyongyang e Seul.
Um
canal de comunicação pelo qual os vizinhos inimigos teriam, mesmo em momentos
difíceis, ao menos a oportunidade do diálogo. Mas desde
fevereiro de 2016 reinava silêncio na linha. Naquela época, a Coreia do Sul se
retirou da zona econômica especial operada conjuntamente em Kaesong, e a
Coreia do Norte deixou de atender às ligações diárias do Sul. O silêncio
na linha virou um símbolo da situação geral na Península Coreana.
O
governo sul-coreano descreveu a retomada do uso da linha telefônica direta como
um passo significativo. É um passo que se enquadra nos acontecimentos
atuais. Pois desde alguns dias aparenta haver certo movimento:
primeiramente, o líder norte-coreano, Kim Jong-un, sinalizou vontade de
dialogar em seu discurso de Ano Novo. Em seguida, a Coreia do Sul propôs
um encontro entre representantes de ambos os lados para a próxima semana.
O
debate em Panmunjom, na zona desmilitarizada na fronteira entre os dois países,
deverá ser conduzido por funcionários governamentais do alto escalão e abordar
uma possível participação de atletas norte-coreanos nos Jogos Olímpicos de
Inverno de Pyeonchchang, na Coreia do Sul, entre 9 e 25 de fevereiro, e a
melhoria das relações entre as duas Coreias.
"Caso
ocorra, será o primeiro diálogo desde um encontro em nível ministerial ocorrido
em dezembro de 2015", escreveu o jornal sul-coreano Korea Times.
"Esperamos que as negociações sejam bem-sucedidas para que os atletas
norte-coreanos possam participar dos Jogos. Isso enviaria um sinal positivo –
mesmo que apenas simbólico – não somente para o Movimento Olímpico, mas também
para os esforços de paz na Península Coreana. Também poderia ser um ponto de
guinada no alívio das tensões."
O fato
de a Coreia do Norte ter interesse em enviar atletas ao evento esportivo
no país vizinho não é, em si, surpreendente, afirma o especialista Robert
Carlin, que há décadas estuda os desdobramentos na Península Coreana e
visitou a Coreia do Norte mais de 30 vezes. Entre 1989 e 2002, Carlin dirigiu a
subdivisão do Departamento de Estado dos EUA responsável pelo Nordeste da Ásia.
Posteriormente, ele trabalhou como assessor político da Organização de
Desenvolvimento Energético da Península Coreana.
"Durante
muitos anos, a Coreia do Norte seguiu essa linha, e os atletas participaram
repetidamente de competições esportivas na Coreia do Sul." No fundo,
porém, sempre se tratou do fortalecimento dos contatos com Seul ou
da abertura de novas portas para o diálogo, escreveu Carlin no site
38North, do Instituto Coreano da Universidade Johns Hopkins, em Baltimore, nos
EUA.
Os
obstáculos ainda são altos
Carlin,
no entanto, argumenta que o tempo para as negociações é escasso. E que, ademais,
muitas questões penosas precisam ser circunscritas. "Ambos os lados
estabelecerão condições que, em sua opinião, serão essenciais para qualquer
progresso", aponta o especialista.
O
artigo de opinião do diário Korea Times também adverte contra o otimismo
demasiado. "Ainda é muito cedo para pintar uma imagem positiva sobre uma
aproximação intercoreana, e a decisão sobre quem representará os dois países
nas conversações e sobre o que eles vão dialogar pode vir a ser um problema
para ambos."
O
autor também envia um alerta ao governo sul-coreano. Seul estaria
"muito focada em trazer uma delegação norte-coreana para os Jogos" e
poderia se esquecer de convocar Pyongyang a abandonar seus programas nucleares
e de mísseis. "Moon [presidente da Coreia do Sul, Moon Jae-in] deveria
deixar claro que o objetivo final de qualquer diálogo com o Norte é a
desnuclearização."
Além
disso, na opinião do autor, há também a questão da estratégia difusa do
governante norte-coreano. Por um lado, Kim envia repentinamente um tom mais
moderado a Seul, mas ao mesmo tempo ameaça os EUA com um "botão
nuclear" em sua mesa. "Kim pode usar os Jogos Olímpicos de
Inverno para colocar uma cunha entre Seul e Washington. Por isso, é tão
importante que Seul fortaleça sua aliança com os EUA."
Aliança
com pontos de ruptura
Uma
aliança que nem sempre é fácil e também não está livre de um potencial de
conflito, explica Hwang Jaeho, em entrevista à DW. "Há uma certa divisão
entre a Coreia do Sul e os EUA", afirma o professor no campus de Seul da
Universidade Hankuk de Estudos Estrangeiros. "Nas aparências, Seul sempre
apoiou Washington na sua pressão sobre o Norte. Mas, na verdade, os
sul-coreanos são contra o uso da força militar pelos EUA. Só que não
podem bater de frente com os americanos."
Hwang
avalia a oferta de diálogo de Kim à Coreia do Sul como um movimento
tático, já que o objetivo real não pode mesmo ser alcançado e por haver um
interesse próprio em evitar um aumento nas tensões. "Em primeira linha, a
Coreia do Norte queria um diálogo com os EUA, mas estes rejeitam conversações
no momento. A Coreia do Norte então precisava de uma nova estratégia, e assim a
Coreia do Sul, cujo novo governo está disposto a conversar, voltou ao
jogo."
Ao que
tudo indica, desde a posse de Moon na presidência sul-coreana, no primeiro
semestre de 2016, Pyongyang tinha em mente a opção de retomar as
negociações com Seul, segundo Carlin. "Pyongyang tem evitado
cuidadosamente emitir ofensas contra Moon, o que é um sinal típico de que se
deseja manter aberta a oportunidade de dialogar com o presidente em
exercício."
E
ainda há outro indício. Segundo Carlin, o anúncio de Kim, em seu discurso de
Ano Novo, de que seu país estava pronto para negociar diretamente com o partido
governante na Coreia do Sul aponta nessa mesma direção. "No passado, algo
assim sempre era um sinal de que a Coreia do Norte tinha um interesse real em
progressos."
O
reativado telefone da linha direta entre Coreia do Sul e Coreia do
Norte já tocou ao menos uma vez. A informação é do governo sul-coreano. A
conversa teria durado aproximadamente 20 minutos. Não foi divulgado nada sobre
o conteúdo da ligação.
FONTE: DW.COM


Comentários
Postar um comentário